24 de dez. de 2011

Natal

A neve caia absoluta por todos os lados, fofa como só ela poderia ser. Linda como a vida, gelada como a morte. Todos estavam dentro de casa, com seus perus recheados, porcos ou peixes feitos no forno e outras iguarias que só existiam na noite de natal. Mas não haveria isso para mim. Dentro de cada uma daquelas casas, árvores esperavam pelos presentes do suposto Papai Noel, e meias penduradas acima da lareira esperavam presentes e não carvão. Mas daquilo tudo, nada era para mim.
No orfanato o dinheiro era pouco, mesmo naquela época em que todos estavam dispostos a doar. Mal dava para ligar o aquecimento a noite para que pudéssemos dormir e acordar com todos os dedos no lugar. Não sobrava dinheiro par a árvore, meias na lareira, e nem mesmo para os presentes. Só recebiam aqueles que estavam em processo de adoção, que recebiam dos futuros pais adotivos, ou dos parentes que pediam suas guardas, tias e tios que lotavam o refeitório em dia de visita. Mas nada havia para mim.
-Mike, a árvore não tem folhas desde o outono. Posso te ver ai em cima.
Eu disse, dando um impulso leve no balanço com meu pé coberto por um sapato de boneca. Minhas pernas estavam geladas por estarem vestidas apenas com uma meia calça preta, mas a saia de lã, o suéter e o cachecol esquentavam o resto do corpo, sem falar nas luvas e no gorro preto. Acima de mim, Mike pairava nos galhos agora brancos da árvore, balançando as pernas alternadamente.
-16 anos. Achei que estava velha demais para balanços.
-17 anos. Acho que está velho demais para ficar subindo em árvores.
-Toucheé. - Ele disse, pulando para um galho mais próximo na árvore nua de folhas. - Vim ver o que estava fazendo aqui fora. É quase meia noite. Vamos começar a ceia daqui a pouco.
Suspirei.
-Então daqui a pouco eu vou.
Disse olhando longe, pensando onde estariam os pais que nunca vieram me buscar.
-Ainda está brava comigo?
Ele perguntou.
-Amanhã é seu aniversário, junto com o de Nosso Senhor. Não posso ficar brava com você.
Ficamos em silêncio por algum tempo. No dia seguinte, dia de natal, depois que Papai Noel tivesse visitado todas as casas do mundo, mas esquecido dos orfanatos, talvez pela vigésima vez seguida, Mike faria 18 anos. Então teria que arrumar suas coisas, e arranjar um jeito de se virar. Ele já havia arranjado um emprego, que começaria depois dos feriados, mas ainda precisava de um lugar para morar. E ainda havia outra questão. Eu.
Havíamos crescido juntos. Passáramos por 16 natais, e em cada um deles, dávamos um jeito de trocar presentes. Uma pedra por uma concha daquela viagem a praia. Uma pipoca do não estourada do fundo da panela, por um remendo para a roupa. Mas agora, no nosso 17º natal, ele iria embora e provavelmente nunca mais iriamos nos ver.
Ele iria para Nova York tocar seu violão nas ruas, e eu iria para Harvard, tentar Advocacia ou Medicina. Nossos destinos não estavam destinados e se entrelaçar. Mas isso não me deixava brava. Me deixava deprimida.
-Quem diria. Acho que é o natal que mais nevou desde que estamos aqui não é, Linda?
-Acho que sim.
Respondi. Ficamos mais um tempo em silêncio. Ele pulou da árvore e parou o balanço.
-Eu te trouxe uma coisa.
Porque não ia embora logo? Se era para passarmos o natal longe um do outro, porque não ia de uma vez? Mas minha curiosidade me fez levantar do balanço.
-O que?
Eu não tinha nada para ele. Estivera tão chateada que não tinha revirado a casa atrás de alguma coisa que pudesse lhe dar.
-Olha para cima.
Quando olhei, um único tom de verde e vermelho chamou minha atenção na árvore desnuda de folhas. Um galhinho de visco estava amarrado no grosso galho onde o balanço estava amarrado.
-Você é um idiota sabia?
Perguntei, deixando um sorriso escapar.
-Posso ser um idiota, mas esse ano, eu sou seu presente de natal, Linda VonCliff.
Ele disse chegando perto e extinguindo a distância entre nós, brindando ao aniversário de Nosso Senhor com um beijo.

Feliz natal leitores e leitoras do meu Brasil varonil e do meu Blogzil maluquil... Um beijo! E até o ano novo! Ah e caso eu tenha leitores judeus, feliz Hannukah! (É assim que escreve não é? Perdão se estiver errado).
Skitter - A Maluca do Blog
Razz - A Voz da Razão

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